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Archive for agosto \29\-03:00 2015

Revista Reformador

Augusto Elias da Silva

Augusto Elias da Silva

Reformador é uma revista de divulgação da Doutrina Espírita, editada mensalmente pela Federação Espírita Brasileira (FEB). É uma das mais antigas publicações de seu gênero, em circulação no Brasil.

O periódico foi lançado em 1883 com o nome de Reformador, por iniciativa do português radicado no Rio de Janeiro, o fotógrafo Augusto Elias da Silva.

À época era impresso como um jornal, com quatro páginas de texto, formato que conservou até dezembro de 1902. O periódico, então com modesta tiragem, vinha a público quinzenalmente. Uma boa quantidade de cada edição era despachada via marítima para Lisboa, onde cumpria idêntica função de divulgação da doutrina no país onde, à época, as mensagens recebidas pelo médium Fernando de Lacerda em Do Paiz da Luz, causavam vivos debates. Note-se que a pequena tiragem sequer cobria as despesas de confecção, em vista de perfazerem os assinantes um número irrisório, de cem a duzentos, sendo o excedente de exemplares, geralmente o dobro, distribuído gratuitamente.

O artigo de fundo do primeiro número afirmava as diretrizes de paz e progresso pelos quais se nortearia o “órgão evolucionista”, definindo ainda os “alevantados” objetivos que tinha em vista alcançar. Apresentava-se como mais um “batalhador da paz”, armado da tolerância e da fraternidade, e empunhando a bandeira de Ismael.

Sob a direção do então Major Francisco Raimundo Ewerton Quadros, o periódico, em seus primórdios bateu-se pela emancipação dos escravos e pela autonomia do Distrito Federal, afirmando, em diversas edições, não ser digno intitular-se espírita quem quer que possuísse criaturas humanas sob o regime de escravidão.

Sobre esta fase e as dificuldades enfrentadas, ficou registrado:

“Elias da Silva, porém, era de vontade tenaz e inquebrantável, e não seriam as dificuldades de toda ordem, as oposições sectaristas e os sarcasmos de todos os lados que o desencorajariam no empreendimento que lhe dominou o cérebro (…). Elias lançou o Reformador em 21 de janeiro de 1883 (…) com os recursos tirados do seu próprio bolso, situando a redação e oficinas em seu atelier fotográfico (…) onde também residia com sua família.”

A 31 de março daquele mesmo ano, vinha a público uma edição especial do Reformador, impressa em papel couché, homenageando Allan Kardec, que, conforme o editorial, “simboliza o alicerce do edifício moral e social que será erguido pela confraternização humana.”

Com a fundação da Federação Espírita Brasileira, em janeiro de 1884, o periódico foi por ela incorporado, passando a ser o seu principal órgão de divulgação, voltado não apenas para as posições oficiais da entidade, como também para a divulgação de artigos doutrinários, fatos e trabalhos desenvolvidos pelas entidades afiliadas em todo o país. Mais tarde, a FEB transformou o jornal em uma revista.

***

Augusto Elias da Silva concretizou uma aspiração não somente sua, mas de muitos espíritas de sua época. Desde 1865 os espiritistas brasileiros sentiam a necessidade de propagar a Doutrina dos Espíritos por meio da imprensa. Naquela época o Espiritismo contava já com muitos adeptos, no Rio de Janeiro, na Bahia, em São Paulo e em outras províncias.

Em 1869 surgiu na Bahia o primeiro órgão da imprensa espírita brasileira, O Écho d’Além-Túmulo, fundado e dirigido por Luís Olímpio Teles de Menezes. Consideráveis tentativas haviam sido feitas também no Rio de Janeiro, com o objetivo de propagar a Doutrina por meio da imprensa. Prova disso foi a Revista Espírita, dirigida pelo Dr. Antônio da Silva Neto, vice-presidente do Grupo Confúcio, a qual teve vida efêmera, aparecendo em 1º de janeiro de 1875 e desaparecendo ao fim de seis meses. Outra tentativa foi a Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, que subsistiu de janeiro de 1881 a julho de 1882.

É nesse meio que o fotógrafo de profissão, Augusto Elias da Silva, idealiza, funda e faz circular o Reformador — Órgão Evolucionista, a serviço da Grande Causa.

“Abre caminho, saudando os homens do presente que também o foram do passado e ainda, hão de ser os do futuro, mais um batalhador da paz: o Reformador.” Com essas palavras iniciais apresentava-se, em 21 de janeiro de 1883, o novo órgão da imprensa espírita.

Há muito Reformador se tornou o mais antigo periódico da imprensa espírita brasileira. Em todo o mundo, ocupa o quinto lugar em antiguidade.

Registram os Anais da Biblioteca Nacional (vol. 85) ser o Reformador um dos quatro periódicos surgidos no Rio de Janeiro, de 1808 a 1889, que sobreviveram até os dias de hoje. São eles, pela ordem: Jornal do Commercio (1827); Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1839); Diário Oficial (1862); Reformador (1883). À exceção do Diário Oficial, Reformador é o único que jamais teve interrompido sua publicação.

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Mediunidade e preparação

Francisca de Paula de Jesus, Nhá Chica

Francisca de Paula de Jesus, Nhá Chica

Mediunidade é sintonia pura e simples, que processada através da união mental entre o pensamento do espirito comunicante e o pensamento mediúnico que lhe acolhe e interpreta, liberando assim o que chamamos de comunicação mediúnica.

Assim entendemos que a comunicação mediúnica é a soma de dois ou mais pensamentos que se unem atendendo aos objetivos que a prática mediúnica cristianizada se propõe.

Esta somatória mental nas reuniões bem orientadas, se destinarão ao atendimento aos corações em necessidade, abrindo espaços para que as claridades benditas do esclarecimento tão necessário e oportuno possa penetrar pelas frestas do amor.

Nas reuniões onde há a efetiva participação de pensamentos engrandecedores, filigranas de luzes e bênçãos derramarão do mais alto em forma de orientações e assertivas oportunas, levando a todos os corações pérolas consoladoras sob a forma de luzes benditas emanadas pela terceira revelação.

Contudo, nas reuniões onde exista a falta de clareza de propósitos, onde os pensamentos se encontrem desajustados com relação ao bem, ao amor e as propostas do trabalho enobrecedor e edificante, esta atividade então tão somente servirá como farto repasto aos inimigos da luz, que mais não farão do que alimentar vaidades, encaminhando situações distorcidas com o simples objetivo de provocar perda total de tempo, bem como também matar os objetivos enobrecedores da atividade.

A decisão de onde situar os objetivos do trabalho e o resultado prático das tarefas desenvolvidas pertencerão tão somente a somatória mental de seus participantes, que verdadeiramente são sem exceção os responsáveis diretos pela produtividade do grupo.

A produtividade, os resultados a ser obtidos estarão assim intimamente ligados ao processo de sintonia estabelecido pelo grupamento em ação, e que responderá integralmente tanto pelos benefícios que venham a plantar como pelos malefícios que venham a semear.

Assim, entendemos que sintonia em grupo é tarefa coletiva, responsabilidade coletiva, esboçando claramente os rumos traçados pela equipe mediúnica.

Desta forma, cabe aos grupamentos mediúnicos em primeiro lugar, assentar-se mentalmente em Jesus, através do seu evangelho de luz, vivenciando-o em seu dia a dia, auferindo assim rumos seguros para toda a equipe.

Evangelizemo-nos, busquemos as práticas ensinadas pelo Cristo de Deus, lembrando sempre que “fora da caridade não há salvação”.

A prática da Caridade é o item mais forte, mais importante para uma boa estruturação da sintonia nas atividades da mediunidade.

Paz e muitas alegrias!

Francisca de Paula de Jesus (Espírito)

Mensagem psicografada pelo médium Jairo Avellar na reunião mediúnica do Grupo Legionários de Maria, da Casa de Caridade Herdeiros de Jesus, de Belo Horizonte(MG), em 18 de julho de 2015.

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Sobre o pecado original

O Pecado Original, por Michelangelo (Cappella Sistina, Cidade do Vaticano)

O Pecado Original, por Michelangelo (Cappella Sistina, Cidade do Vaticano)

Allan Kardec, na Revista Espírita de Novembro de 1867, citando Michel Bonnamy (A Razão do Espiritismo, cap. 6), consignou e referendou, sobre o pecado original:

“Em vez de criar a alma perfeita, quis Deus que não fosse senão por longos e constantes esforços que ela chegaria a se desprender deste estado de inferioridade nativa e gravitar para seus augustos destinos.

“Para chegar a esses fins, deve ela, pois, romper os laços que a prendem à matéria, resistir ao arrastamento dos sentidos, com a alternativa de sua supremacia sobre o corpo, ou da obsessão exercida sobre ela pelos instintos animais.

“São destes laços terrestres que lhe importa libertar-se e que nela constituem as condições mesmas de sua inferioridade; eles não são outros senão o suposto pecado original, o alvéolo que cobre a sua essência divina. O pecado original constitui, assim, o ascendente primitivo que os instintos animais devem ter exercido, inicialmente, sobre as aspirações da alma. Tal é o estado do homem que o Gênesis quis representar sob a figura simples da árvore da ciência do bem e do mal. A intervenção da serpente tentadora não é outra coisa senão os desejos da carne e a solicitação dos sentidos; o Cristianismo consagrou esta alegoria como um fato real, ligando-se à existência do primeiro homem; e é sobre este fato que fundou o dogma da redenção.

“Colocado deste ponto de vista, é preciso reconhecê-lo, o pecado original deve ter sido, com efeito, e realmente foi, o de toda a posteridade do primeiro homem, e assim o será durante uma longa sucessão de séculos, até a libertação completa do Espírito das opressões da matéria, libertação que, sem dúvida, tende a se realizar, mas que ainda não se fez em nossos dias.

“Numa palavra, o pecado original constitui as condições da natureza humana trazendo os primeiros elementos de sua existência, com todos os vícios que ela gerou.

“O pecado original é o egoísmo, é o orgulho que presidem a todos os atos da vida do homem;

“É o demônio da inveja e do ciúme que roem o seu coração;

“É a ambição que perturba seu sono;

“É a cupidez, que não pode saciar a avidez do lucro;

“É o amor e a sede de ouro, este elemento indispensável para dar satisfação a todas as exigências do luxo, do conforto e do bem-estar, que persegue o século com tanto ardor.

“Eis o pecado original proclamado pelo Gênesis, e que o homem sempre ocultou em si; ele só será apagado no dia em que, compenetrado de seus altos destinos, o homem abandonar, conforme a lição do bom La Fontaine, a sombra pela presa; o dia em que renunciar à miragem da felicidade terrena, para voltar todas as suas aspirações para a felicidade real, que lhe está reservada.

“Que o homem aprenda, pois, a se tornar digno de seu título de chefe entre todos os seres criados, e da essência etérea emanada do próprio seio de seu Criador e de que está repleto. Que seja forte para lutar contra as tendências de seu envoltório terrestre, cujos instintos são estranhos às suas aspirações divinas e não poderiam constituir sua personalidade espiritual; que seu objetivo único seja sempre gravitar para a perfeição de seu último fim, e o pecado original não existirá mais para ele.”

A Razão do Espiritismo, por Michel Bonnamy, citado por Allan Kardec na Revista Espírita de Novembro de 1867, p. 481-483, Ed. FEB, tradução de Evandro Noleto Bezerra.

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Campanha FEB sócio-contribuinte

Campanha FEB sócio-contribuinte

A Federação Espírita Brasileira (FEB) é uma associação sem fins lucrativos que desenvolve projetos de cunho educacional, cultural e beneficente, e tem a missão de promover o estudo, a prática e a divulgação da Doutrina Espírita.  Faça parte destas ações e torne-se um sócio contribuinte da FEB.

Mais informações em  www.sistemas.febnet.org.br/socio.

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Cozinha fraterna Irmão Lázaro

Moradores de rua na Praça Santo Antônio, bairro Jaraguá, região da Pampulha, em Belo Horizonte(MG)

Moradores de rua na Praça Santo Antônio, bairro Jaraguá, região da Pampulha, em Belo Horizonte(MG)

Em resposta à pergunta formulada por Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, de como entendia Jesus a palavra caridade (questão 886), estes, os Espíritos, responderam: “Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas”. Os Espíritos também estabeleceram por divisa máxima da Doutrina Espírita, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o enunciado de que “Fora da caridade não há salvação” (capítulo XV).

Esta divisa é a balizadora de todas as iniciativas de trabalho no bem. Os Espíritos que coordenam, do plano espiritual, as atividades de intercâmbio mediúnico são concordes em afirmar que o medianeiro deve ser e estar operoso; os que se dedicam às atividades de evangelização, idem; os que se vinculam às atividades doutrinárias, do mesmo modo.

De um modo geral, a Casa Espírita deve ser o celeiro que permita, à todos os corações que a ela recorrem, a bendita oportunidade de se evangelizar e, em assim o sendo, de se esclarecer e de se consolar.

Evangelização, esclarecimento e consolação somente virão com o trabalho no bem e em favor dos menos favorecidos, dos ainda caídos pelos caminhos, dos que ainda gravitam em faixas vibratórias inferiores e que envergam padrões psíquicos em desalinho e dos que ainda não prepararam o solo interior para permitir e fazer germinar a semente já lançada pelo Semeador maior: Jesus.

Não obstante, todos podem se mobilizar em grupos menores, formados por familiares ou amigos (da Casa Espírita, do trabalho, do bairro onde residam, etc.), para, organizando-se e estruturando-se, vivenciarem as doces experiências e colherem os aprendizados que o trabalho de assistência fraterna, desenvolvido com Jesus, traz aos corações.

É uma destas iniciativas que desejamos celebrar e dividir com os nossos leitores.

Desde o final do mês de junho deste ano – para ser exato, desde o dia 29 –, que um grupamento familiar se formou para exercitar e desenvolver várias atividades de assistência fraterna. Refiro-me à “Cozinha Fraterna Irmão Lázaro”.

Atuando na região dos bairros Suzana, Dona Clara, Santa Rosa, Jaraguá, Liberdade e Indaiá, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, a “Cozinha Fraterna Irmão Lázaro”, a cada noite de segunda-feira, em caravana, visita, nos bairros acima citados, vários pontos em que se aglomeram companheiros que estão vivenciando as duras provas da miséria e da solidão e alguns outros, somando-se a isso, dolorosas expiações.

Ao alimento e ao agasalho para o corpo, os tarefeiros empenham-se em levar àqueles corações, à luz dos ensinamentos trazidos pelos Espíritos, o Pão Espiritual, Jesus, por meio de seu Evangelho de luz.

De início o singelo pãozinho com manteiga e o leite achocolatado, propiciamente indicado para as noites frias do inverno. Planejando para depois, para as noites frescas da primavera e quentes de verão, pãozinho acompanhado do refresco. O passo seguinte será a implantação da sopa fraterna.

O irmão Lázaro (Lázaro José Alves, 1940 – 2004), patrono do grupo, foi, enquanto encarnado, o elo entre os seus integrantes, tendo dado vivas demonstrações de elevação moral, de verdadeira amizade, de paternidade responsável e de superação ao fascínio exercido pela matéria densa.

De nossa parte, fazendo coro aos irmãos Maria Raquel e José Maria, da cidade de Cláudio(MG), rogamos que Jesus, o Meigo e Divino Amigo, “infunda em cada um [dos tarefeiros da “Cozinha Fraterna Irmão Lázaro”] o espírito de luz, para continuarem a fazer o bem e amar a todos que de vocês se aproximarem”.

Cozinha Fraterna Irmão Lázaro, por José Márcio de Almeida.

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O Céu e o Inferno 150 Anos

Sobre o livro O Céu e o Inferno, escreveu José Herculano Pires:

Lendo-se este livro com atenção, vê-se que a sua estrutura corresponde a um verdadeiro processo de julgamento. Na primeira parte temos a exposição dos fatos que o motivaram e a apreciação judiciosa, sempre serena, dos seus vários aspectos, com a devida acentuação dos casos de infração da lei; na segunda parte o depoimento das testemunhas. Cada uma delas caracteriza-se por sua posição no contexto processual. E diante dos confrontos necessários, o juiz pronuncia a sua sentença definitiva, ao mesmo tempo enérgica e tocada de misericórdia. Estamos ante um tribunal divino. Os homens e suas instituições são acusados e pagam pelo que devem, mas agravantes e atenuantes são levados em consideração à luz de um critério superior.

A 30 de setembro de 1863, como se pode ver em Obras Póstumas, Kardec recebeu dos Espíritos Superiores este aviso: “Chegou a hora de a Igreja prestar contas do depósito que lhe foi confiado, da maneira como praticou os ensinamentos do Cristo e do uso que fez de sua autoridade; enfim, do estado de incredulidade a que conduziu os espíritos.” Esse julgamento começava com a preliminar constituída pelo O Evangelho Segundo o Espiritismo e devia continuar com O Céu e o Inferno. Dentro de dois anos, em seu número de setembro de 1865, a Revista Espírita publicaria em sua seção bibliográfica a notícia do lançamento do quarto livro da Codificação Espírita: O Céu e o Inferno. Faltava apenas A Gênese para completar a obra da Codificação da III Revelação.

Dois capítulos de O Céu e o Inferno foram publicados antecipadamente na Revista: o capítulo intitulado Da Apreensão da Morte, vigorosa peça de acusação, no número de janeiro de 1865, e o capítulo Onde é o Céu, no número de março do mesmo ano. Apareceram ambos como se fossem simples artigos para a Revista, mas o último trazia uma nota final anunciando que ambos pertenciam a uma “nova obra que o Sr. Allan Kardec publicará proximamente”.

Em setembro a obra já aparece anunciada como à venda. Kardec declara que, não podendo elogiá-la nem criticá-la, a Revista se limitava a publicar um resumo do seu prefácio, revelando o seu conteúdo. Os capítulos antecipadamente publicados aparecem, o primeiro com o mesmo título com que saíra e o segundo com o título reduzido para O Céu.

Estava dado o golpe de misericórdia nos dogmas fundamentais da teologia do cristianismo formalista, tipo inegável de sincretismo religioso com que o Cristianismo verdadeiro, essencial e não formal, conseguira penetrar na massa impura do mundo e levedá-la à custa de enormes sacrifícios. Kardec reafirma o caráter científico do Espiritismo. Como ciência de observação a nova doutrina enfrenta o problema das penas e recompensas futuras à luz da História, estabelecendo comparações entre as idealizações do céu e do inferno nas religiões anteriores e nas religiões cristãs, revelando as raízes históricas, antropológicas, sociológicas e psicológicas dessas idealizações e denunciando os absurdos a que chegara a imaginação teológica na formulação dos dogmas cristãos.

O primeiro capítulo de O Céu e o Inferno intitula-se O Futuro e o Nada. Esse título coloca o leitor em face das duas alternativas fundamentais do espírito. Kardec se revela ao mesmo tempo cartesiano e shakespeariano. É cartesiano quando propõe esta premissa lógica, de agudo realismo: vivemos, pensamos, agimos; isto é positivo; não é menos certo que morremos. É shakespeariano quando evoca o dilema: ser ou não ser, eis a alternativa. Mas ao mesmo tempo se opõe, com a antecedência de mais de um século, à tese do nada que surgirá ali mesmo, na França, com a filosofia existencial de Jean-Paul Sartre, o teórico da frustração e da nadificação do homem.

O que mais impressiona neste processo jurídico é a objetividade da acusação. Não estamos diante de um tribunal romano, onde as normas do Direito se subordinam às exigências imediatistas do Império, mas perante um tribunal grego do mundo socrático, onde o juiz implacável pergunta a todo instante: o que é isso? E exige definição precisa segundo as leis da maiêutica. Estas comparações não são retóricas, são simplesmente históricas. O processo lógico de Kardec segue as linhas dialéticas da busca socrática da verdade, segundo a exposição platônica. O juiz que pontifica neste tribunal não enverga a toga impura de Anito, mas a túnica de Platão.

A comparação do inferno pagão com o inferno cristão é um dos mais eficazes trabalhos de mitologia comparada que se conhece. A mitologia cristã se revela mais grosseira e cruel que a pagã.

Bastaria isso para justificar o Renascimento. O mergulho da humanidade no servedouro medieval levou a natureza humana a um retrocesso histórico só comparável ao do nazi-fascismo em nosso tempo. Os intelectuais materialistas assustaram-se com o retrocesso do homem nos anos 40 do nosso século e puseram em dúvida a teoria da evolução. Se houvessem lido este livro de Kardec saberiam que a evolução não se processa em linha reta, mas em ascensão espiralada. Os teólogos medievais estavam racional e moralmente atrasados em relação aos teólogos gregos porque representavam uma vasta camada de população ainda não atingida pelas luzes da cultura helênica. A evolução do homem na Terra está sujeita às vicissitudes da superposição periódica de camadas populacionais inferiores que precisam aflorar na superfície cultural para se beneficiarem. A queda do Império Romano foi um momento de superposição dos bárbaros, que precisavam abeberar-se na cultura clássica. No episódio aparentemente inexplicável do nazi-fascismo tivemos um novo afloramento dos instintos bestiais do homem. Esses instintos ainda estão presentes em nosso mundo de pós-nazismo, mas vão sendo caldeados na ebulição cultural dos nossos dias. Nenhuma imagem explicaria melhor essa situação que a do caldeirão medieval, formulada por Wilhelm Dilthey.

Vemos assim que este livro de Kardec tem muito para ensinar, não só aos espíritas, mas também aos luminares da inteligência neo-pagã que perdem o seu tempo combatendo o Espiritismo, como gregos e romanos combateram inutilmente o Cristianismo. O processo espírita se desenvolve na linha de sequência do processo cristão. A conversão do mundo ainda não se completou. Cabe ao Espiritismo dar-lhe a última demão, como desenvolvimento natural, histórico e profético do Cristianismo em nosso tempo. A leitura e o estudo sistemático deste livro se impõem a espíritas e não-espíritas, a todos os que realmente desejam compreender o sentido da vida humana na Terra.

Mesmo entre os espíritas este livro é quase desconhecido. A maioria dos que o conhecem nunca se inteirou do seu verdadeiro significado. Kardec nos dá nas suas páginas o balanço da evolução moral e espiritual da humanidade terrena até os nossos dias. Mas ao mesmo tempo estabelece as coordenadas da evolução futura. As penas e recompensas de após morte saem do plano obscuro das superstições e do misticismo dogmático para a luz viva da análise racional e da pesquisa científica. É evidente que essa pesquisa não pode seguir o método das ciências de mensuração, pois o seu objeto não é material, mas segue rigorosamente as exigências do espírito científico moderno e contemporâneo. O grave problema da continuidade da vida após a morte despe-se dos aparatos mitológicos para mostrar-se com a nudez da verdade à luz da razão esclarecida.

Como ciência de observação o Espiritismo nos oferece a análise de Kardec na primeira parte do volume. Como ciência de pesquisa nos oferece a segunda parte, em que vemos Kardec investigar objetivamente a situação dos espíritos após a morte. Como ele acentua incessantemente, as penas e recompensas, que são as consequências naturais do comportamento humano na Terra, não aparecem aqui como alegorias ou suposições elaboradas pela mente, mas como o resultado da pesquisa mediúnica, da investigação direta da situação dos espíritos através de suas próprias revelações. E essas revelações não são gratuitas nem colhidas ao acaso, mas provocadas pelo experimentador através de anos de trabalho árduo e paciente. Mais de um século depois de realizado, esse trabalho é hoje sancionado pelas investigações recentes, não só no meio espírita mas também no campo das investigações parapsíquicas.

A imparcialidade de Kardec e o seu amor pela pesquisa, a sua confiança na eficiência da investigação científica transparecem a cada instante. Charles Richet teve razão ao reconhecer a vocação científica do Codificador do Espiritismo. Dando ao inferno e ao céu os seus contornos reais, com base nos resultados de sua investigação, Kardec não repudia o dogma do purgatório, o mais suspeito da estrutura teológica arbitrária porque introduzido tardiamente no sistema dogmático católico, mas aceita-o e justifica-o. O purgatório é a Terra, o lugar determinado e circunscrito em que purgamos as nossas imperfeições, encarnados ou desencarnados.

A doutrina teológica dos anjos e demônios é submetida também à prova dupla da análise racional e da pesquisa científica. A conclusão é límpida e certa: somos demônios quando estamos saindo da animalidade para a espiritualização e somos anjos quando estamos saindo da humanidade para a angelitude. Mas isso não é uma idéia, uma hipótese, o produto de uma elocubração mental ou de uma interpretação arbitrária de textos sagrados. É o resultado da observação e da pesquisa. Milhares de criaturas espirituais observadas, interrogadas, submetidas à experiência mediúnica, forneceram os tipos psicológicos e morais da escala espírita, numa verdadeira classificação psíquica aplicável não só aos espíritos, mas também à tipologia humana.

A importância deste livro é maior do que realmente se pensa. No tocante à Teologia, como procuramos demonstrar em várias notas ao texto, O Céu e o Inferno antecipou de mais de um século as transformações que ora se operam no seio das várias igrejas. Se os teólogos, que pretendem ser homens mais do que homens, como Descartes os classificou, pudessem ter a humildade suficiente para consultá-lo, encontrariam nestas páginas a solução dos seus mais angustiantes problemas.

São Paulo, 30 de julho de 1973.

José Herculano Pires

(LAKE Editora)

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