A COPA DO MUNDO, AS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS E A PÁTRIA DO EVANGELHO [*]
O progresso social pressupõe o fortalecimento da percepção de cada cidadão exercer bem sua função e colaborar para a paz social.
Chico Xavier dizia que desejava desencarnar num dia em que os brasileiros estivessem em festa, o que de fato ocorreu, quando da conquista do mundial de 2002.
O Brasil é o país do futebol e o momento mais importante desse esporte, seja para quem joga, seja para quem torce, é a Copa do Mundo.
Para sediar o evento neste ano, o país vem gastando altas cifras na construção de estádios e obras de infraestrutura. O problema é que a FIFA – federação internacional que dirige o futebol no mundo – e os governantes não sabiam que haveria uma pedra no meio do caminho: o povo brasileiro.
O apaixonado público-alvo do futebol resolveu rebelar-se. As inesquecíveis manifestações de junho de 2013 giraram em torno de diversos pontos, entre os quais mobilidade urbana, saúde, educação, descaso com a ética pública e a promoção da Copa do Mundo. De lá para cá, os temas e os gritos voltam à tona.
A voz das ruas simboliza a essência da República: todo poder emana do povo. E isso não pode ser desprezado, pois, afinal, todo o aparato estatal somente se justifica se tiver como fi m a prevalência do interesse público, em sua real acepção.
Esse contexto fático nos estimula a refletir sobre a espiritualidade externada por Humberto de Campos no sentido de ser o Brasil a Pátria do Evangelho. A conhecida obra do escritor narra os bastidores espirituais dos primórdios da formação do país até o advento da República, ponto de aquisição de sua “maioridade coletiva”.
O significado da expressão “Pátria do Evangelho” é dado, no prefácio da obra, por Emmanuel: “se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do Espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova luz”.
Desenvolver a consciência ética, pautada pelo respeito ao próximo como condição para o progresso social e individual, é o caminho para a prática efetiva de condutas que redundarão no cumprimento da tarefa espiritual projetada para o Brasil.
Vê-se que essa projeção consiste num processo contínuo no tempo, que requer trabalho e esforço para se alcançarem os resultados pretendidos. Também se nota a importância da atividade humana como meio de atingir o ideal proposto.
Diante disso, pergunta-se: será razoável que o Brasil gaste dinheiro público com a construção de estádios, enquanto tantas pessoas não têm o que comer nem onde morar?
Ou, ainda: são legítimos tais gastos enquanto a saúde e a educação públicas encontram-se em estado precário? Em outras palavras: as reivindicações populares são justas e adequadas?
A premissa para a consolidação da Pátria do Evangelho coincide com o dever de se respeitar o próximo. Não é possível pensar numa sociedade livre, justa e solidária com desprezo à dor alheia. O respeito ao outro é um dever de todo cidadão, porém ainda mais daqueles que exercem funções públicas.
Logo, o descaso com a coisa pública gera o direito do povo – fonte do poder público – de se indignar.
A participação popular, aliás, é um importante mecanismo de transformação social.
Ponto que merece atenção quanto a esse direito típico de sociedades democráticas reside na necessidade de exercê-lo com equilíbrio, abstendo–se de condutas violentas. Ao mesmo tempo em que foi lindo ver a massa humana nas ruas das principais capitais do país, de modo pacífico, clamando por justiça, é triste continuar vendo uma minoria que opta por atos de vandalismos inconsequentes.
Assim, o presente momento permite algumas lições. Qual a parte que nos cabe para banhar, com a luz da fraternidade e do amor ao próximo, as atividades humanas?
À medida que um povo amadurece, e com ele a noção de direito, o que é público passa também a abranger as atividades privadas. Ou seja, independentemente da situação em que cada qual se encontra – se na vida pública ou privada –, o dever de promover o bem comum se impõe.
Com isso, é preciso desenvolver uma consciência coletiva e individual de que nossos atos repercutem, positiva ou negativamente, na sociedade como um todo. O progresso social pressupõe o fortalecimento da percepção de cada cidadão de que exercer bem sua função – qualquer que seja a natureza desta – é colaborar para a paz social.
Desenvolver a consciência ética, pautada pelo respeito ao próximo como condição para o progresso social e individual, é o caminho para a prática efetiva de condutas que redundarão no cumprimento da tarefa espiritual projetada para o Brasil.
O grito contrário à Copa do Mundo ecoa mundo afora. Que possa ser interpretado e compreendido como um clamor por maior atenção em relação ao destinatário de toda a construção cristã e do pensamento jurídico contemporâneo: o povo.
Se o Brasil der essa contribuição para a comunidade internacional, haverá avanço.
Migrar da terra do futebol para a Pátria do Evangelho, eis o desafio de todos nós, cidadãos brasileiros, mas espíritos universais que ora aqui nos encontramos.
[*] Tiago Cintra Essado. Presidente da AJE-Brasil – Associação Jurídico-Espírita do Brasil. Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo de junho de 2014.