Muitos acreditamos que o fenômeno mediúnico deva ocorrer com a naturalidade do desabrochar de uma rosa, apropriados da figura metafórica de autoria de Emmanuel. Defendemos que a “rosa” da mediunidade desabrocha, tão logo o fenômeno patenteia-se, após superadas as inibições psíquicas. A fala espontânea, a escrita ligeira e a mensagem escorreita são sinonímias do desenvolvimento da faculdade. E sob este entendimento, eximimo-nos de avaliar de forma aprofundada as comunicações que nos chegam, caligrafadas ou ditadas, por médiuns atuantes e formados em nossas Casas Espíritas, acreditando ser falta de caridade turvar-lhes a “beleza” com análises, bom senso e razão. Chegamos, por vezes, a negar a condição de cursos preparatórios para médiuns, sob o discurso deturbado de que fariam esvaziar as reuniões, retardando o trabalho dos “bons espíritos no socorro aos irmãos do mundo invisível”. Alegamos que a “reforma íntima” e a ”boa vontade” são suficientes para que a “rosa” da mediunidade “enfeite os jardins do mundo”. Preocupados mais com o fenômeno, as voltas de uma mesa ou traçado em uma folha de papel, do que com a capacidade intelecto-moral do médium em experimentar-se na análise criteriosa das inteligências a quem serve nas experiências da vida, relegamos as bases doutrinárias às estantes da biblioteca. E sob este contexto, comum, vemos o superficialismo triunfar nas lides mediúnicas sob o jargão do naturalismo, da trivialidade e das observações simplórias dos conteúdos que chegam: “vede bem que não dizem nada de mal” (ver item 246, Da Obsessão, de O Livro dos Médiuns). Outra menção comum: “não se preocupe, os benfeitores espirituais é que sabem e conduzem os trabalhos”.
Assim, multiplicam-se reuniões mediúnicas para que se deixem desabrochar mediunidades, que por vezes, confundem-se com processos emocionais e espirituais delicados.
Realmente, a mediunidade ostensiva é faculdade natural, orgânica, que não pode ser induzida e incutida naqueles que não a tem.
Assim como a rosa não desabrocha em outras espécies que não a roseira.
E a rosa naturalmente irá desabrochar quer queiramos ou não.
Mas a qualidade da rosa, por mais esteja em sua natureza a beleza e o perfume, dependerá do clima, do solo, dos cuidados e do manejo a quer for submetida, incluindo a poda e o tutoramento.
Abster-nos de adubá-la, e mesmo podá-la ou tutora-la, a pretexto de preservar-lhe o naturalismo seria nos eximir da condição de partícipes da obra divina, negando os dons da experiência e da inteligência.
Assim como a rosa, o crescimento da criança é natural, e em seu espirito estão os germens das mais belas faculdades, mas faculta-lhe Deus os pais e professores para instruí-la, discipliná-la e educá-la na formação de caracteres.
Deixar que tudo e todos simplesmente expressem a sua natureza primeira, sem qualquer cuidado, é negar o dom infinito da evolução que se processa nas interações entre as partes ou condicionar que tudo e todos já somos perfeitos ou acabados.
Se a mediunidade fosse algo que devesse atender a simples questão de naturalidade, com pontos intocados, Kardec não teria analisado, comparado, e enviado a vários médiuns as mesmas perguntas, para com seu bom senso e razão verificar sua coerência, para codificação da nova Doutrina.
Assim também Kardec não teria refutado, sob a chancela da máxima de Erasto, “o que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente. Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa” (item 230, de O Livro dos Médiuns), as comunicações apócrifas que seguem discriminadas no capítulo 31 de O Livro dos Médiuns, muitas delas escorreitas quanto à forma e com conteúdos filosóficos profundos, sustentados em palavras veneráveis como “Jesus”, “Deus” e “caridade”.
Se pudéssemos nos eximir de uma análise crítica das mensagens que nos chegam São Luís não nos teria feito a exortação expressa no item 266 de O Livro dos Médiuns:
“Qualquer que seja a confiança legítima que vos inspirem os Espíritos que presidem aos vossos trabalhos, uma recomendação há que nunca será demais repetir e que deveríeis ter presente sempre na vossa lembrança, quando vos entregais aos vossos estudos: é a de pesar e meditar, é a de submeter ao cadinho da razão mais severa todas as comunicações que receberdes; é a de não deixardes de pedir as explicações necessárias a formardes opinião segura, desde que um ponto vos pareça suspeito, duvidoso ou obscuro.”
A falta de estudos basilares da essência da mediunidade com Jesus e Kardec, ainda nos faz crer que ser médium seja simples fenômenos de apassivar-se e entregar-se à execução e manifestações de toda ordem, sob a falsa pretensão de serviço caritativo e missão espiritual. Nos alheamos à recomendação de Kardec, manifesta no item 192 de O Livro dos Médiuns:
[…] a facilidade de execução é uma questão de hábito e que muitas vezes se adquire em pouco tempo, enquanto que a experiência resulta de um estudo sério de todas as dificuldades que se apresentam na prática do Espiritismo. A experiência dá ao médium o tato necessário para apreciar a natureza dos Espíritos que se manifestam, para lhes apreciar as qualidades boas ou más, pelos mais minuciosos sinais, para distinguir o embuste dos Espíritos zombeteiros, que se acobertam com as aparências da verdade. Facilmente se compreende a importância desta qualidade, sem a qual todas as outras ficam destituídas de real utilidade. O mal é que muitos médiuns confundem a experiência, fruto do estudo, com a aptidão, produto da organização física. Julgam-se mestres, porque escrevem com facilidade; repelem todos os conselhos e se tornam presas de Espíritos mentirosos e hipócritas, que os captam, lisonjeando-lhes o orgulho.
Essa conduta meticulosa do Codificador, fundamentada na busca pela natureza das manifestações, é corroborada por Sócrates, no item 197 de O Livro dos Médiuns ao afirmar que analisar “esses dois quadros [ a natureza dos médiuns e dos espíritos ] reúnem todos os princípios da Doutrina e contribuirão, mais do que o supondes, para trazer o Espiritismo ao verdadeiro caminho.”
É claro, portanto, que a verdade e o escolho da mediunidade não se encerram na naturalidade, mas na natureza do médium e dos espíritos com os quais se sintoniza, conforme esclarece-nos o espírito Sócrates. Sem recursos para conhecermos a nós mesmos (como já dizia o mesmo sábio na antiguidade), e por consequência aqueles a quem servimos de intermediários, a “mediunidade se perde na inutilidade”. (ver item 197 de o Livro do Médiuns”.)
Em outras palavras: formemos, pois, medianeiros. Não para servirem à naturalidade do fenômeno, mas para reconhecerem, pelo estudo sério, vivência e experimentação, a sua natureza íntima e daqueles com quem se comunicam.
Para tal é preciso o tutoramento do bom-senso, a poda do estudo e da disciplina e o adubo da vivência evangélica, manejados pelo jardineiro Consolador (Doutrina Espírita), sob as luzes do sol do Evangelho de Jesus. Somente assim, verdadeiramente, estaremos sustentados em solo seguro para sermos medianeiros do desabrochar, natural, da perfumosa rosa da mediunidade com Jesus.
Aos que se opuserem a esta forma “fria” de analisar a mediunidade, atentemos para a recomendação dos espíritos no tópico 28, do item 266 de O Livro dos Médiuns:
“Para julgar os Espíritos, como para julgar os homens, é preciso, primeiro, que cada um saiba julgar-se a si mesmo. Muita gente há, infelizmente, que toma suas próprias opiniões pessoais como paradigma exclusivo do bom e do mau, do verdadeiro e do falso; tudo o que lhes contradiga a maneira de ver, a suas ideias e ao sistema que conceberam, ou adotaram, lhes parece mau. A semelhante gente evidentemente falta a qualidade primacial para uma apreciação sã: a retidão do juízo. Disso, porém, nem suspeitam. É o defeito sobre que mais se iludem os homens.
“Mediunismo sem Evangelho é fenômeno sem Amor, dizem os Amigos Espirituais, sem Doutrina Espírita é fenômeno sem esclarecimento. Com Espiritismo, mas sem Evangelho, é realização incompleta […]. Com Evangelho e sem Espiritismo é, também, realização incompleta. Com Evangelho e Espiritismo é penhor de vitória espiritual, de valorização dos talentos divinos. Imprescindível, pois, a trilogia Evangelho-Espiritismo-Mediunidade.” (Martins Peralva, Mediunidade e Evolução, cap. 7.)
Naturalidade e natureza na mediunidade com Jesus (e Kardec), por Breno Henrique Leite Cota. Fonte: Jornal Correio Fraterno da CCHJ nº 78, p. 5. Também disponível em www.cchj.org.br.